Em entrevista, cineasta sergipana fala sobre feminismo e o papel do cinema


Para a sergipana Luciana Oliveira, o cinema pode ser instrumento de transformação social. Recém-formada em audiovisual pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) lançou em 2014 o ‘O Corpo é Meu’, a primeira obra que assina como diretora. Com apenas vinte e cinco anos, a jovem cineasta fala sobre o início de carreira no audiovisual, sua breve passagem pelo jornalismo e sua inquietação em retratar a opressão à mulher que resultou em seu primeiro filme, ganhador do prêmio Melhor Curta Militante no Festival de Cine de La Mujer Marialionza, na Venezuela.

Você começou com Jornalismo, quando você fez essa opção, qual o seu interesse? Você queria trabalhar em redação? O que te fez procurar o Jornalismo?
Gostava muito de escrever, escrevia histórias e nos cadernos onde escrevia colava figuras para ilustrar, recortes de revistas para representar os personagens das histórias. Acho que comecei o curso de jornalismo por gostar de escrever, tinha uma paixão pela área, queria escrever crônicas, trabalhar em jornal impresso. Então surgiu o curso de audiovisual na Universidade Federal de Sergipe, lembro que muitos colegas de turma na época fizeram o vestibular também junto comigo e o que pensávamos é que o curso seria um complemento mais técnico para nós do jornalismo. Fiz o vestibular sem muita empolgação, passei e então me apaixonei pelo audiovisual, pois vi a possibilidade de transformar o que eu escrevia em imagem, de histórias escritas em um caderno velho para roteiros e filmes. Durante o curso de audiovisual abandonei a ideia de continuar o curso de jornalismo.

Você chegou a trabalhar em outros projetos com cinema?  Eu gostaria que você resgatasse um pouco essa trajetória, falasse um pouco sobre esses trabalhos.
Na faculdade realizei pequenos curtas junto com colegas para alguns trabalhos acadêmicos. Das atividades fora da faculdade fui convidada a integrar a diretoria da ABD\SE em 2011 e ainda sou integrante. Foi uma experiência bacana porque pude ver o audiovisual de um ponto de vista mais político, por busca de direitos em nossa área ainda crescendo no estado. Depois, em 2012, fui convidada por Jéssica e Baruch, amigos e diretores da ONG Cacimba de Cinema e Vídeo para trabalhar no FestivalSercine e também fazer parte da ONG. É bacana o trabalho desenvolvido pela Cacimba e me alegra muito participar porque além do festival que ajuda a movimentar o cenário do cinema sergipano, realizamos algumas atividades durante o ano, uma delas em parceria com instituições como o SENAC onde oferecemos oficinas para estudantes, levando o audiovisual até em cidades do interior. Além desses trabalhos, ainda na faculdade, me uni a alguns amigos próximos do curso e fundamos a produtora Visagem Audiovisual, que realizou o filme "O Muro é o meio" de Eudaldo Monção Jr. e o meu filme "O Corpo é meu". 

Antes que você fale especificamente em O Corpo é meu, diga como se deu essa ponte entre o feminismo e o cinema. O que te motivou a buscar esse tema?
Durante o curso peguei uma matéria em jornalismo que discutia imprensa de minorias, então me encantei com a imprensa feminista no Brasil. Comecei a estudar sobre o feminismo, ler artigos, mas como eu estudava audiovisual eu precisava buscar algo sobre o feminismo no cinema ou mesmo na televisão que foi onde encontrei meu incômodo.

Você se recorda do momento em que disse para si mesma que queria fazer um filme sobre isso? Quando surgiu essa vontade?
A representação da imagem da mulher na mídia televisiva me incomodou bastante como mulher e estudante de comunicação, então busquei textos, vídeos e cheguei à conclusão que precisava fazer algum trabalho em cima do tema e decidi fazer um documentário que fosse também meu projeto de TCC. Percebi que não estava sozinha, que havia muitos trabalhos discutindo o tema e mulheres organizadas lutando contra a mídia, entre elas a Rachel Moreno, e isso me encorajou a realizar o trabalho.

Como você avalia a situação da opressão a mulher nos dias de hoje?
Acredito que há muito o que ser feito ainda. Com frequência vejo nas redes sociais comentários muito machistas e até agressivos de homens jovens e mesmo de mulheres em posts a favor dos direitos da mulher. Além disso, muitas blogueiras feministas hoje estão recebendo ameaças de morte, estupro e outras agressões via internet por conta de seus textos. A mulher ainda não é livre e hoje com o cenário político que estamos vivendo é fácil perceber que a sociedade ainda oprime a mulher. Um exemplo foi a manifestação do 15 de março em que havia um cartaz a favor do feminicídio. Um absurdo.

 (Foto: Reprodução /Internet)

Qual o papel do cinema nessa questão?
Vejo o cinema como uma ferramenta pra discutir e provocar reflexões sobre essas questões, essas problemáticas em torno da mulher. Também como meio de representação, de poder construir e mostrar uma imagem mais real de quem somos, além de desconstruir os estereótipos.

A equipe do filme foi composta basicamente por mulheres. Isso foi uma opção?
Achava que era muito importante que esse filme fosse feito por mulheres, da direção à montagem. Queria falar de representação, criticar a má representação das mulheres em uma mídia que é construída em grande parte por homens. Então busquei formar uma equipe feminina. Não foi possível fechar uma equipe inteira de mulheres porque em funções como a captação de som, aqui em Sergipe, não conheço mulheres que exerçam essa função, por isso recorri a amigos que já estavam na área. E acho que foi muito positiva a participação dos meninos na equipe. Com o filme eu queria provocar reflexões não só nas mulheres, mas também nos homens quanto a essa representação da mulher na mídia e se esses meses de trabalho provocaram mudanças nos pensamentos de nós mulheres da equipe acho que com os rapazes não foi diferente.

Como é lidar com a recepção do público? Por exemplo, as redes sociais e a imprensa falaram muito sobre o seu filme. Você esperava isso?
Eu não esperava, mas queria acreditar que o filme pudesse alcançar o objetivo que pretendia desde o início, que era provocar uma reflexão nas mulheres, principalmente as que estão fora das universidades e que não tem contato com o feminismo. Mas me alegra muito a recepção que o público está tendo do filme. Foram seis meses de trabalho de uma equipe que realmente se entregou para buscar o melhor resultado possível e sou muito grata a essa equipe.

Como é vivenciar essa recepção de um universo que você pesquisou durante um tempo, retratou e colocou ali e agora está na mão do público, que tem sua forma particular de reagir?
É muito bacana e interessante ouvir a opinião do público e saber o que as pessoas andam pensando sobre a representação da imagem da mulher na televisão. Gosto de ir às exibições e conversar sobre o filme e a temática após a apresentação do filme. Em novembro do ano passado estive na exibição que aconteceu no V Círculo de Ogãs, organizado pela ONG Sahude, em São Cristóvão. O filme foi assistido por adolescentes e para mim foi importante ouvir como se dá a identificação deles com as personagens retratadas na TV, principalmente as meninas negras que são invisibilizadas nessa mídia. Esse filme também foi feito pensando nesse público que está em processo de formação de sua identidade.

Me fale um pouco sobre o festival da Venezuela. Você esperava a premiação?
Eu inscrevi o filme no Festival de Cine de La Mujer Marialionza e não imaginava que pudéssemos levar a premiação porque é um festival internacional, que haveria muitos filmes de vários países da América Latina, então realmente achei que poderíamos não levar o prêmio. Mas pensei que o importante era que ele estaria sendo assistido por mulheres de outros países vizinhos e assim elas poderiam se identificar com nossas entrevistadas e também estaria divulgando nosso trabalho. Foi uma surpresa maravilhosa, receber a menção especial e também de melhor curta militante, porque vejo o documentário como uma ferramenta para a militância feminista.

Você dedica-se hoje a cuidar desse filme ou já está envolvida em algum outro projeto?
Estou uma mãe coruja desse filme, inscrevendo ele em festivais, enviando para grupos interessados em exibi-lo aqui em Sergipe e em outros estados. Mas ando conversando com amigas e fazendo parceria para um novo projeto. Após a realização do documentário eu entrei no movimento feminista de mulheres negras, então eu tenho pensado em projetos nesse sentido, filmes que possam discutir os problemas da mulher, mas com certa atenção a questão da mulher negra que encara o machismo e o racismo todos os dias.

Seu curta participou recentemente da Mostra 'Mulheres na direção: O cinema sergipano sob a ótica feminina'. Como você avalia a situação atual da mulher na produção cinematográfica em Sergipe?
Fiquei muito feliz com a iniciativa do NPD em realizar essa mostra, confesso que era um desejo meu ver filmes realizados por cineastas sergipanas todos reunidos assim em um evento. E fiquei feliz também pelo convite ao O Corpo é meu. Me alegra ver mulheres realizando filmes aqui em Sergipe, acho que as produções dirigidas por mulheres estão aumentando, podemos perceber pelos filmes que foram exibidos na mostra. E acho isso muito importante, porque acredito que para haver uma boa representação da mulher no cinema ou mesmo na TV, devemos ocupar esses lugares e nos representar, escrever nossos roteiros, dirigir nossos filmes. 

Você já fez algum curso ou pegou algum equipamento pelo NPD? O que você acha do trabalho feito pelo NPD?
Eu fiz alguns cursos no NPD há alguns anos atrás. Cursos que despertaram interesses na área de direção de arte e figurino e que me deixaram apaixonada pela Nouvelle Vague francesa. O último que fiz foi o de roteiro com o Hilton Lacerda, que foi também muito bacana. Há alguns anos eu e uns amigos solicitamos equipamento para realizar um curta que se perdeu depois, acho que não ficamos muito satisfeitos com o resultado, a gente ainda estava experimentando. O NPD é um espaço interessante pra gente que estuda cinema aqui em Sergipe, é o lugar que sempre trouxe cursos específicos pra galera fazer, além de trazer a oportunidade de ter contato com pessoas de fora que já estavam no cinema há um tempo e poder em uma conversa e durante as oficinas ir ganhando dicas e experiências.






Ficha Técnica
Direção: Luciana Oliveira 
Assistente de direção: Jessica Maria Araújo 
Direção de Produção: Fernanda Almeida
1º Assistente de produção: Luciana Costa
2º Assistente de produção: Luciana Andrade 
Direção de Fotografia: Janaína Vasconcelos 
Assistente de fotografia: Priscila Reis
Direção de Arte: Lunna Santos
Assistente de direção de arte: Aninha Vieira
Captação e edição de som: Marcos Santos
Assistente de som: Renan Sobral 
Montagem: Lu Silva 
Finalização: Renan Sobral 
Still: Camilla Pedroza
Atriz: Franciane Melo 
Designer gráfica: Mayumi Kimura
Share on Google Plus

Sobre o Unknown

O Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira é uma iniciativa de apoio e fomento à atividade audiovisual local, através de ações de formação, difusão, qualificação técnica e de cessão aos produtores independentes do Estado de Sergipe.
    Blogger Comment
    Facebook Comment

0 comentários:

Postar um comentário